No cenário jurídico contemporâneo, marcado pela busca incessante pela efetividade da tutela jurisdicional, a Teoria da Causa Madura emerge como um dos principais instrumentos de racionalização e celeridade processual. Eva atua como uma técnica processual que visa a tutelar os direitos materiais de forma otimizada, conciliando a necessidade de rapidez na solução de conflitos com as garantias constitucionais do devido processo legal.
A “causa madura” é um conceito que descreve a condição de um processo que, apesar de ter sido objeto de uma decisão terminativa (sem resolução de mérito) na primeira instância, encontra-se apto para julgamento imediato pelo tribunal recursal. Essa aptidão decorre da não necessidade de produção de novas provas e da prévia submissão da controvérsia ao debate das partes, com a garantia do contraditório e da ampla defesa na origem.
A finalidade primordial da teoria é a de assegurar a efetividade e a celeridade da prestação jurisdicional. Ela se fundamenta em princípios basilares do direito processual civil, como a economia processual, a razoável duração do processo e, sobretudo, a primazia do julgamento de mérito. A teoria funciona como um “atalho” processual, um mecanismo que autoriza o tribunal a superar a barreira da sentença terminativa e proferir diretamente uma decisão final, de mérito, evitando a devolução desnecessária dos autos à instância inferior e a repetição de atos processuais.
Essa aplicabilidade em sede recursal introduz um “efeito desobstrutivo” ao recurso, especialmente na apelação. Tradicionalmente, o recurso de apelação tem um efeito devolutivo, que consiste em devolver a matéria impugnada ao tribunal superior para reexame. No entanto, quando a causa está madura, o recurso também ganha a função de remover um obstáculo formal, ou seja, a própria sentença terminativa, permitindo que o tribunal adentre diretamente no mérito.
A referida teoria tem sua previsão legal expressa no art. 1.013, § 3º, do CPC/2015. O dispositivo elenca taxativamente as quatro hipóteses em que o tribunal, ao julgar um recurso, deve decidir desde logo o mérito, caso o processo esteja em condições de imediato julgamento:
- I – Quando o tribunal reformar a sentença que extinguiu o processo sem resolução de mérito, com fundamento no art. 485 do CPC.
- II – Quando a nulidade da sentença for decretada por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir.
- III – Quando o tribunal constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo.
- IV – Quando a nulidade da sentença for decretada por falta de fundamentação.
A redação do CPC/2015 representa uma significativa evolução em relação ao Código de 1973 (CPC/1973), cujo art. 515, § 3º, limitava a aplicação da teoria a casos que versassem sobre “questão exclusivamente de matéria de direito”. Essa restrição, que gerou intensas controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais, foi suprimida no diploma legal atual. A supressão dessa limitação reflete e formaliza um entendimento que já havia sido consolidado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. O Tribunal, em um movimento de vanguarda, interpretou o dispositivo anterior de forma mais flexível, permitindo o julgamento de mérito mesmo em casos com questões de fato, desde que não fosse necessária a produção de novas provas.
A aplicação mais comum e clássica da teoria da causa madura ocorre, como já adiantamos, no recurso de apelação, interposto contra uma sentença terminativa. O cenário típico é aquele em que o juiz de primeira instância extingue o processo sem analisar o mérito da lide, por entender que há a ausência de um pressuposto processual ou de uma condição da ação, como a ilegitimidade de uma das partes.
Por exemplo, em uma ação de cobrança, o juiz extingue o processo sem julgamento de mérito por considerar o autor parte ilegítima. O Tribunal, ao analisar a apelação, entende que o autor é, de fato, a parte legítima para figurar no polo ativo da demanda. Em vez de anular a sentença e devolver o processo para que o juiz de primeira instância julgue o mérito, o Tribunal, com base nas provas já produzidas nos autos (como contratos e notas fiscais), pode julgar imediatamente a demanda. Nesse caso, o Tribunal, além de reformar a sentença terminativa, exerce um juízo substitutivo e profere uma nova decisão de mérito, promovendo a economia processual e encerrando o litígio de forma mais eficiente.
Embora a teoria da causa madura esteja majoritariamente associada ao recurso de apelação, a doutrina e a jurisprudência do STJ têm explorado sua aplicação em outros contextos. Uma parcela da doutrina e a jurisprudência do STJ admitem a aplicabilidade da teoria ao agravo de instrumento. Isso ocorre quando o tribunal superior anula uma decisão interlocutória (por exemplo, que deferiu ou indeferiu uma liminar com vício de fundamentação), mas verifica que a questão de fundo já foi devidamente debatida e o processo está suficientemente instruído, permitindo o julgamento imediato do mérito da pretensão. Exemplificando: STJ, EDcl no AREsp: 2122899/RS, Rel. Min. Raul Araújo, DJ 22/08/2022)
Vale registrar que a teoria da causa madura também já foi considerada aplicável ao processo penal, como demonstrado no AgRg no HC n. 705.607/SC. A Quinta Turma do STJ permitiu que um tribunal de segunda instância, ao afastar uma questão preliminar que impediu o exame do mérito em primeira instância, julgasse a controvérsia imediatamente. Essa decisão foi baseada na constatação de que o processo já estava “maduro”, com a audiência de instrução e as alegações finais já realizadas, e o vício era de natureza processual. A extensão da teoria a um contexto penal, que impõe cautela na aplicação de institutos cíveis, sinaliza que o STJ a enxerga como um instrumento mais amplo de racionalização processual.
Contudo, a aplicação da teoria possui limites claros, especialmente em relação a recursos de natureza extraordinária. O STJ não adota a teoria da causa madura na via especial (Recurso Especial), pois a natureza desse recurso se limita à análise de questões de direito, vedando o reexame de fatos e provas, conforme a Súmula 7 do próprio tribunal. A aplicação da teoria em um recurso especial exigiria, muitas vezes, a reanálise do conjunto fático-probatório, o que é expressamente proibido. De forma similar, o STJ tem se posicionado pela inaplicabilidade da teoria em recurso ordinário em mandado de segurança. Essa vedação se justifica pela necessidade de garantir o contraditório da autoridade coatora, que deve ter a oportunidade de prestar as informações exigidas por lei. A aplicação da causa madura nesses casos resultaria em uma supressão de instância e uma violação do devido processo legal.
A teoria da causa madura, portanto, não é uma carta branca para o salto de instâncias, mas um instrumento de equilíbrio entre a eficiência e a garantia do devido processo legal.
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Elpídio Donizetti Sociedade de Advogados
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