As pessoas casadas têm capacidade processual plena. Geralmente, independem de outorga do outro cônjuge para agirem judicialmente em defesa de seus direitos ou para se defenderem em juízo. Entretanto, o art. 73 elenca as seguintes exceções:
a) Capacidade processual ativa: para a propositura de ações que versem sobre direitos reais imobiliários (reivindicatória, usucapião, divisória, adjudicação compulsória, desapropriação indireta, execução hipotecária, entre outras), o cônjuge (pouco importa seja o marido ou a mulher) necessita do consentimento do outro, exceto se casados sob o regime de separação absoluta de bens, nos termos do art. 73, caput, assim como do art. 1.647, caput, do CC.[1]
Não se trata de litisconsórcio ativo necessário, uma vez que repugna ao direito constranger alguém a demandar como autor, mas tão somente de consentimento, que pode ser suprido pelo juiz (art. 74) quando, sem justo motivo, um dos cônjuges negar a outorga, ou quando estiver impossibilitado de concedê-la. O pedido de suprimento do consentimento pode ser feito antes do ajuizamento da ação ou na própria petição inicial. Quando antecedente ao ajuizamento da ação, tramitará segundo as regras do procedimento de jurisdição voluntária, sendo encerrado por sentença.
O suprimento pode também ser pleiteado na própria petição inicial ou ser determinado pelo juiz de ofício, uma vez que se trata de pressuposto processual (matéria cognoscível de ofício), ou mediante provocação. Em ambas as hipóteses, o juiz determina a intimação pessoal do cônjuge preterido para se manifestar sobre a concessão da outorga, no prazo de 15 dias. Não havendo manifestação no prazo indicado, o silêncio do cônjuge importará consentimento tácito, não havendo necessidade de suprimento judicial.
A falta da autorização ou da outorga não suprida pelo juiz, quando necessária, invalida o processo (art. 74, parágrafo único).
b) Capacidade processual passiva: ambos os cônjuges serão necessariamente citados para a ação (art. 73, § 1º):
I – que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens;[2]
II – resultante de fato que diga respeito a ambos os cônjuges ou de ato praticado por eles [mau uso da propriedade comum e responsabilidade por ato do filho menor, por exemplo];
III – fundada em dívida contraída por um dos cônjuges a bem de família;
IV – que tenha por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre imóvel de um ou de ambos os cônjuges.
As hipóteses do art. 73, § 1º, configuram litisconsórcio passivo necessário e se aplicam, sob pena de nulidade do processo, aos regimes de comunhão parcial de bens, comunhão universal e de participação final de aquestos.
Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente é indispensável nos casos de composse ou de ato por ambos praticado (art. 73, § 2º). Em virtude de contrato ou de herança, marido e mulher tornaram-se possuidores do mesmo bem (composse). Nesse caso, para um cônjuge propor ação possessória, necessita do consentimento do outro. Trata-se de mera anuência, não de litisconsórcio ativo necessário. Na hipótese de figurarem no polo passivo, o caso será de litisconsórcio passivo necessário.
Ressalte-se que as regras relativas à capacidade processual dos cônjuges, seja ela passiva ou ativa, se aplicam à união estável, por expressa disposição do art. 73, § 3º, do CPC/2015.
Parte significativa da doutrina já buscava aproximar os institutos da união estável e do casamento, de modo a conferir-lhes os mesmos efeitos. A partir da última versão do Código, o legislador entendeu que deveria haver extensão da outorga aos conviventes. Assim, se a união estável estiver devidamente comprovada e houver demonstração no sentido de que não foram adotadas as regras do regime da separação absoluta de bens, não será possível afastar o mecanismo de proteção patrimonial à referida entidade familiar.
Como não há na nova legislação qualquer referência ao modo de comprovação da união estável, esta poderá ser atestada por escritura pública, contrato particular ou por qualquer outro meio que demonstre a existência de convivência pública, contínua e duradoura, com o intuito de constituir família. Essa comprovação deve acompanhar a petição inicial (art. 73, caput) nos casos em que a propositura da demanda depender da autorização do(a) companheiro(a). Caso não a acompanhe, a parte contrária, se estiver ciente da existência de união estável, poderá, antes de discutir o mérito, alegar a ausência de autorização (art. 337, IX). Ressalte-se que essa conclusão não implica dizer que a parte contrária será prejudicada caso deixe de arguir a ausência de autorização. É que como a convivência entre companheiros não exige a mesma formalidade que se determina para o casamento, não é razoável se exigir conhecimento de todos (erga omnes) acerca dessa condição. O ônus de demonstrar a existência da união cabe, portanto, ao convivente.
Caso os conviventes necessitem figurar no polo passivo da demanda (art. 73, § 1º), a exigência de citação de ambos os companheiros só se aplica nas hipóteses nas quais a parte autora possa conhecer essa condição. Assim, se devidamente citado, o réu esconder a existência da união, não poderá se beneficiar futuramente com um eventual pedido de nulidade por ausência de citação de sua companheira. O que o CPC/2015 exige é a comprovação da união nos próprios autos. Caso isso não ocorra, o processo tramitará validamente, ainda que o convivente (seja na qualidade de autor ou de réu) se omita quanto à autorização de sua companheira.
Em síntese, em nome da segurança jurídica, e diante da informalidade inerente ao instituto da união estável, consolidou-se o entendimento no sentido de que “a invalidação de atos de alienação praticado por algum dos conviventes, sem autorização do outro, depende de constatar se existia: (a) publicidade conferida a união estável, mediante a averbação de contrato de convivência ou da decisão declaratória da existência união estável no Ofício do Registro de Imóveis em que cadastrados os bens comuns, a época em que firmado o ato de alienação, ou (b) demonstração de má-fé do adquirente” (STJ, AgInt no REsp n. 1.706.745/MG, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 24/11/2020, DJe de 17/3/2021). O anteprojeto do novo Código Civil, caso aprovado, contará com um dispositivo que reforça esse entendimento[3]
“Esse texto foi extraído do Curso de Direito Processual Civil, de autoria de Elpídio Donizetti e publicado pela Editora GEN”.
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[1] Art. 1.647 do Código Civil: “Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; II – pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos; III – prestar fiança ou aval; IV – fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação”.
[2] Apesar da existência de posicionamentos divergentes, a doutrina majoritária tem entendido que a outorga conjugal é dispensada apenas quando os cônjuges são casados sob o regime da separação convencional de bens, em razão do disposto na Súmula nº 377 do STF. Sobre o tema, ver nota inserida no capítulo 2, item 9.3, “c”, desta obra.
[3] “A exigência da autorização do convivente para a venda de bens imóveis ou para a fiança só é necessária se a união estável estiver registrada” (art. 1.647, §3º – redação do anteprojeto).