O Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) valoriza expressamente a consensualidade e a busca por soluções autocompositivas dos conflitos. Nesse cenário, as audiências judiciais, especialmente as de conciliação e mediação, ganham protagonismo como atos processuais fundamentais para a condução do litígio.
O presente texto busca explorar, de forma aprofundada, os diferentes tipos de audiências previstas no procedimento comum e as penalidades impostas pela lei e pela jurisprudência em caso de não comparecimento das partes e/ou de seus advogados.
1. A Audiência de Conciliação ou Mediação
A audiência de conciliação ou mediação, prevista no artigo 334 do CPC/2015, tem a finalidade primordial de promover a autocomposição, ou seja, a resolução consensual do conflito pelas próprias partes, com o auxílio de um conciliador ou mediador imparcial.
Em regra, a audiência é marcada antes mesmo de o réu apresentar sua contestação, uma escolha legislativa que visa aumentar as chances de composição antes que o conflito se agrave. No entanto, a tentativa de conciliação não se restringe a este momento inicial; o incentivo à autocomposição deve ser uma constante durante todo o processo, conforme dispõe o artigo 139, V, do CPC.
A audiência deverá ser designada com antecedência mínima de 30 dias, devendo o réu ser citado pelo menos 20 dias antes da data marcada para a realização do ato. No ato citatório, o réu já fica ciente da data da audiência; a intimação do autor será feita na pessoa de seu advogado, de regra, pela publicação no Diário do Judiciário.
A audiência de conciliação ou de mediação, de regra, é obrigatória. No procedimento comum, a audiência conciliatória somente não será realizada se: a) ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual; b) quando o direito, pela natureza ou pela titularidade, não admitir transação (por exemplo, ação envolvendo direito tributário, quando não prevista em lei a possibilidade de o ente público firmar acordo). Caso não haja interesse na conciliação, o réu deverá peticionar ao juízo com antecedência mínima de 10 dias, contados da data da audiência. No que concerne ao autor, o desinteresse, se for o caso, deve ser manifestado na petição inicial. Na hipótese de litisconsórcio, todos os litisconsortes deverão manifestar o desinteresse na conciliação. Enfim, para que a audiência conciliatória não seja realizada, é indispensável que todos se manifestem. Se por exemplo, o autor manifesta a disposição de conciliar (art. 319, VII), o réu será obrigado a comparecer à audiência. É esse o regramento expresso no CPC/2015, embora, na prática, a ausência de designação desta audiência venha sendo considerada hipótese de nulidade relativa. Cite-se, por exemplo, o posicionamento do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:
“Cobrança. Duplicata. Nulidade. Audiência de conciliação. Revelia. I – A ausência de designação da audiência prévia de conciliação não gera, por si só, nulidade processual, especialmente quando os autos não denotam possibilidade de composição, além do que as partes podem transigir a qualquer tempo. II – Diante da revelia, presume-se verdadeira a alegação da autora de inadimplemento da ré quanto ao valor relativo à duplicata, a qual foi protestada por indicação. III – Apelação desprovida” (TJDF, 0701321-24.2018.8.07.0003, 6ª T. Cível, Rel. Vera Andrighi, j. 22.08.2018).
Por outro lado, há precedentes mais favoráveis ao incentivo à autocomposição, afirmando que a dispensa da audiência é causa de nulidade, porque se não há manifestação das partes no sentido de afastar o ato, o seu cancelamento é medida de ofende o devido processo legal:
“A ausência de designação de audiência de conciliação, prevista na norma do artigo 334 do CPC, sem que as partes tenham se manifestado expressamente pelo desinteresse na composição, conforme inciso I, do § 4º, acarreta nulidade do feito por violação aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa” (TJ-MG – AC: 50766284020178130024, Relator: Des.(a) Antônio Bispo, Data de Julgamento: 28/04/2023, 15ª Câmara Cível, Data de Publicação: 03/05/2023).
O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado; a parte poderá constituir representante, por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir (art. 334, §§ 8º e 10). Uma primeira interpretação poderia admitir a aplicação de multa sempre que houvesse ausência de uma das partes. Contudo, como há a possibilidade de constituir representante com poderes para transigir, inclusive advogado, o Superior tribunal de Justiça entende que, nessa hipótese, a multa não será aplicável.[1] A decisão não se baseia em uma mera formalidade, mas em uma interpretação teleológica do CPC. A Corte concluiu que, ao investir um procurador com plenos poderes para negociar e conciliar, a parte demonstra que não está agindo de má-fé ou com a intenção de procrastinar o processo, mas sim facilitando o cumprimento da finalidade do ato processual por meio de seu representante legalmente habilitado. A sanção, portanto, se destina à ausência que frustra a possibilidade de acordo, e não à ausência física da parte quando a sua representação técnica já está plenamente constituída e capacitada para atuar no ato, o que tornaria a penalidade desproporcional e ilegal.
A multa se aplica indistintamente ao autor e ao réu que, injustificadamente, deixam de comparecer. A penalidade, entretanto, não é a única consequência. Em Juizados Especiais, a ausência do autor à audiência de conciliação, por exemplo, acarreta a extinção do processo e a condenação ao pagamento de custas processuais, enquanto a ausência do réu pode gerar a revelia.
A sanção de multa por ato atentatório à dignidade da justiça, conforme expresso no artigo 334, §8º, do CPC, é aplicada à parte (autor ou réu), e não ao seu advogado. A ausência do patrono na audiência de conciliação, por si só, não acarreta a multa para a parte, especialmente se esta comparecer ao ato.
Contra a decisão que aplica multa em razão da ausência injustificada à audiência de conciliação ou de mediação, não cabe, segundo o STJ, agravo de instrumento. Para a Corte, essa decisão não se enquadra no inciso II do art. 1.015 do CPC[2]. Eventual insurgência deverá ser apresentada com o recurso de apelação.
Conforme adiantado, a audiência de conciliação no início do procedimento comum é uma das grandes inovações do Código. O seu efeito prático reside na possibilidade de composição entre as partes sem a necessidade de prévia apresentação de resposta pelo réu, o que, sem dúvida, incentiva o diálogo e aumenta as chances de solução amigável, porquanto na maioria das vezes a peça de defesa apenas acirra os ânimos e instiga o prolongamento do litígio. Tamanha foi a expectativa que a audiência conciliatória pudesse reduzir o volume de processos nas prateleiras, que o legislador previu a possibilidade de se realizar mais de uma sessão em cada processo, inclusive por meio eletrônico (art. 334, § 2º e § 7º).
A tentativa conciliatória não será realizada pelo magistrado, mas por conciliador ou mediador. Nas palavras de Cappelletti, essa providência “evita que se obtenha a aquiescência das partes apenas porque elas [as partes] acreditam que o resultado será o mesmo depois do julgamento, ou ainda porque elas temem incorrer no ressentimento do juiz”.[3] Na prática, infelizmente, especialmente nas Comarcas do interior, é o juiz quem realiza este ato processual, circunstância que contraria a orientação do próprio CNJ.
2. Audiência de Instrução e Julgamento
Quando a conciliação não é possível ou se mostra infrutífera, o processo segue seu curso até a fase de instrução. A audiência de instrução e julgamento é um ato processual solene e fundamental, presidido pelo juiz, que se destina à colheita de provas orais, como o depoimento pessoal das partes, a oitiva de testemunhas e a inquirição de peritos, se for o caso.
O objetivo central desta audiência é permitir que o magistrado esclareça os fatos controvertidos do processo e forme seu livre convencimento, base para a prolação da sentença. A solenidade do ato exige grande preparo dos advogados, que devem estar prontos para formular perguntas, refutar argumentos e apresentar suas alegações finais, as quais podem ser realizadas oralmente na própria audiência. Embora a lei preveja que o ato deve ser único e contínuo, a complexidade da causa pode justificar a divisão da audiência em múltiplas datas.
A multa aplicável à ausência em audiência de conciliação/mediação não se aplica se a falta ocorrer na audiência de instrução. Neste caso, considera-se que o faltante não pretende produzir provas, não sendo o caso de sancionamento por analogia. Ou seja, a ausência acarreta a perda da possibilidade de produzir a prova que se pretendia naquela audiência. O que pode ocorrer é a aplicação da pena de confissão, se o réu ou autor, intimados pessoalmente, não comparecem ao ato. Já a multa do § 8º do art. 334 se restringe à audiência de conciliação ou mediação.
A pena de confissão, ou confissão ficta, consiste na presunção relativa de veracidade dos fatos alegados pela parte contrária, podendo ter um impacto decisivo no resultado do julgamento.
Para que a pena seja aplicada, a lei impõe requisitos cumulativos e indispensáveis: (1) a parte deve ser pessoalmente intimada para o depoimento; e (2) a intimação deve conter advertência expressa sobre a sanção de confissão em caso de ausência. A falta de qualquer um desses requisitos impede a aplicação da penalidade e pode gerar a nulidade do ato.
A ausência do advogado na audiência de instrução e julgamento não acarreta a pena de confissão para a parte, mas, como vimos, tem reflexos diretos na produção de provas. O papel do advogado neste ato é essencial. A lei permite que o juiz, em caso de ausência injustificada do patrono, dispense a produção das provas requeridas pela parte que ele representa, conforme o art. 362, §2º, do CPC. Essa sanção é direcionada à produção probatória, e não à veracidade dos fatos alegados. Caso a ausência do advogado seja justificada (por motivo de doença ou acidente, por exemplo), a audiência poderá ser adiada, desde que o motivo seja comprovado.
[1] “Constitucional e processual civil. Mandado de segurança. Agravo interno no recurso ordinário em mandado de segurança. Ato judicial ilegal. Decisão interlocutória de aplicação da multa prevista no art. 334, § 8º, do CPC/2015, por inexistente ato atentatório à dignidade da justiça. Decisão irrecorrível. Parte devidamente representada na audiência de conciliação por advogado com poderes para transigir. Violação de direito líquido e certo (CPC, art. 334, § 10). Ordem concedida. Recurso provido. 1. A impetração de mandado de segurança contra ato judicial, a teor da doutrina e da jurisprudência, reveste-se de índole excepcional, admitindo-se apenas em hipóteses determinadas, a saber: a) decisão judicial manifestamente ilegal ou teratológica; b) decisão judicial contra a qual não caiba recurso; c) para imprimir efeito suspensivo a recurso desprovido de tal atributo; e d) quando impetrado por terceiro prejudicado por decisão judicial. 2. Na hipótese, é cabível o mandado de segurança e nítida a violação de direito líquido e certo do impetrante, pois tem-se ato judicial manifestamente ilegal e irrecorrível, consistente em decisão interlocutória que impôs à parte ré multa pelo não comparecimento pessoal à audiência de conciliação, com base no § 8º do art. 334 do CPC, por suposto ato atentatório à dignidade da Justiça, embora estivesse representada naquela audiência por advogado com poderes específicos para transigir, conforme expressamente autoriza o § 10 do mesmo art. 334. 3. Agravo interno provido para dar provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança, concedendo-se a segurança” (AgInt no RMS 56.422/MS, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª Turma, j. 08.06.2021, DJe 16.06.2021).
[2] “Recurso especial. Processual civil. Agravo de instrumento. Hipóteses de cabimento do recurso (art. 1.015, inciso II, do CPC). Ausência injustificada a audiência de conciliação. Multa por ato atentatório à dignidade da justiça. 1. Controvérsia em torno da recorribilidade, mediante agravo de instrumento, contra a decisão cominatória de multa à parte pela ausência injustificada à audiência de conciliação. 2. O legislador de 2015, ao reformar o regime processual e recursal, notadamente do agravo de instrumento, pretendeu incrementar a celeridade do processo, que, na vigência do CPC de 1973, era constantemente obstaculizado pela interposição de um número infindável de agravos de instrumento, dilargando o tempo de andamento dos processos e sobrecarregando os Tribunais, Federais e Estaduais. 3. A decisão cominatória da multa do art. 334, § 8º, do CPC, à parte que deixa de comparecer à audiência de conciliação, sem apresentar justificativa adequada, não é agravável, não se inserindo na hipótese prevista no art. 1.015, inciso II, do CPC, podendo ser, no futuro, objeto de recurso de apelação, na forma do art. 1.009, § 1º, do CPC. 4. Recurso especial desprovido” (STJ, REsp 1.762.957/MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, j. 10.03.2020, DJe 18.03.2020).
[3] CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 86.
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Elpídio Donizetti Sociedade de Advogados
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