Os embargos constituem o meio por excelência de que dispõe o executado para impugnar os limites da execução, a validade do título ou do próprio processo executivo, bem assim a validade do ato expropriatório com base em fatos supervenientes à penhora. Entretanto, a oposição dos embargos se sujeita a exíguo prazo decadencial, daí por que a necessidade de outro meio para se opor à execução.
Não obstante o poder conferido ao executado de se opor à execução por meio de embargos, dependendo da natureza das questões a serem arguidas, pode ele lançar mão de instrumento mais simplificado, não sujeito ao rigorismo formal de qualquer petição inicial, nem a prazo ou preparo.
Ocorre que há questões que podem ser conhecidas a qualquer tempo pelo juiz, até mesmo de ofício, enquanto não extinto processo de execução. Trata-se de matérias de ordem pública que, não se sujeitando à preclusão, podem ser conhecidas enquanto não extinto o processo de execução ou, tratando-se de título judicial, a fase do cumprimento da sentença.
O conhecimento de questões ligadas à admissibilidade da execução, tais como os requisitos do título executivo, a exigibilidade da obrigação, a legitimidade das partes, a competência absoluta do juízo, a prescrição e a decadência, dispensa a provocação do executado. Ora, se tais matérias podem ser conhecidas de ofício, com muito mais razão podem ser apreciadas mediante provocação do executado, por simples petição avulsa, independentemente do rigorismo exigido para os embargos.
A esse procedimento simplificado, por meio do qual a parte leva ao conhecimento do juízo questões de ordem pública, denomina-se exceção de pré-executividade. “Exceção”, porque se trata de defesa; “de pré-executividade”, porque a defesa pode ser deduzida antes da penhora, que caracteriza o primeiro ato de execução.
A exceção de pré-executividade é um instituto de criação doutrinária e construção jurisprudencial que se consolidou como um mecanismo crucial de defesa incidental no processo de execução brasileiro. Ela é plenamente aceita e delimitada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme cristalizado na Súmula 393, que inclusive admite-a no processo executivo fiscal. Sua relevância reside na capacidade de veicular defeitos graves do processo sem que o executado precise cumprir a condição prévia e onerosa de garantia do juízo. Em regra, não há pagamento de custas processuais. Contudo, há legislações locais, a exemplo do Rio de Janeiro, que admitem a cobrança de taxas judiciárias pra a sua interposição.
Essa modalidade de defesa não estava prevista no CPC/1973. Entretanto, seguindo o clamor da doutrina, criadora do instituto, bem como da jurisprudência, que acolheu a objeção em nosso ordenamento, mas condicionou o seu cabimento à desnecessidade de dilação probatória,[1] o Código de Processo Civil de 2015 acabou acolhendo a exceção de pré-executividade, com algumas peculiaridades. Vamos a elas.
Conforme parágrafo único do art. 803 do CPC, a nulidade da execução em razão da incerteza, iliquidez ou inexigibilidade do título, da ausência de citação do executado ou da instauração do processo sem a verificação da ocorrência de condição ou termo a que estava submetida a obrigação, será pronunciada pelo juiz, de ofício ou a requerimento da parte, independentemente de embargos à execução. Ora, se o juiz pode conhecer de tais vícios de ofício, com muito mais razão pode deles conhecer se a parte, por simples petição nos autos, sem as formalidades dos embargos à execução, apresentá-los em juízo.
Além das matérias cognoscíveis de ofício, a instrumentalidade das formas aponta no sentido de que, não havendo necessidade de dilação probatória, admissível é a exceção de pré-executividade. No caso de pagamento, há uma peculiaridade que recomenda a arguição via exceção de pré-executividade. Ocorre que, se pagamento houve, o título não será exigível e a inexigibilidade do título é, pois, matéria de ordem pública. Nesse ponto, pode-se afirmar que o Código positivou em parte o entendimento jurisprudencial:
“Direito processual civil. Alegação de pagamento do título em exceção de pré-executividade. Na exceção de pré-executividade, é possível ao executado alegar o pagamento do título de crédito, desde que comprovado mediante prova pré-constituída. De fato, a exceção de pré-executividade é expediente processual excepcional que possibilita ao executado, no âmbito da execução e sem a necessidade da oposição de embargos, arguir matéria cognoscível de ofício pelo juiz que possa anular o processo executivo. Dessa forma, considerando que o efetivo pagamento do título constitui causa que lhe retira a exigibilidade e que é nula a execução se o título executivo extrajudicial não corresponder à obrigação certa, líquida e exigível (art. 618, I, do CPC)[2], é possível ao executado arguir essa matéria em exceção de pré-executividade, sempre que, para sua constatação, mostrar-se desnecessária dilação probatória”. Precedentes citados: AgRg no Ag 741.593/PR, 1ª Turma, DJ 08.06.2006, e REsp 595.979/SP, 2ª Turma, DJ 23.05.2005 (STJ, REsp 1.078.399/MA, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 02.04.2013).
Em relação ao requisito formal – dispensabilidade de dilação probatória –, a exigência de que a prova seja pré-constituída tem por escopo evitar embaraços ao regular processamento da execução. Assim, as provas capazes de influenciar no convencimento do julgador devem acompanhar desde logo a manifestação do executado. No entanto, a jurisprudência[3] vem admitindo a intimação do executado para juntar aos autos prova pré-constituída mencionada nas razões ou complementar os documentos eventualmente apresentados, não sendo essa providência hipótese de dilação probatória, pois não é capaz de exceder os limites da exceção de pré-executividade.
Em suma, o vício alegado deve ser tão evidente que seu reconhecimento seja possível de plano, dispensando, de modo absoluto, qualquer dilação probatória. Se a controvérsia demandar a produção de provas complexas, como a realização de perícia, a oitiva de testemunhas ou a busca de documentos que não estavam prontamente disponíveis, a exceção não será inadmitida. Essa vedação atua como um freio processual para assegurar que o procedimento de execução mantenha sua celeridade. Se fosse permitida a cognição profunda (dilação probatória), a exceção se tornaria um substituto dos Embargos, subvertendo a regra processual que exige a garantia do juízo para defesas amplas.
A exceção de pré-executividade é admitida em qualquer fase processual, antes da extinção da execução. Ou seja, não existe prazo preclusivo para a sua interposição; enquanto o processo executivo não for extinto, o executado pode suscitar os vícios passíveis de conhecimento ex officio. Essa flexibilidade temporal reforça o princípio de que o vício grave do processo não pode ser tolerado, garantindo ao juiz a possibilidade de sanear a execução a qualquer tempo. A jurisprudência também admite que a exceção possa ser apresentada mesmo após a rejeição dos Embargos à Execução, contanto que trate de matéria diversa e com prova pré-constituída.
A interposição da exceção de pré-executividade, em regra, não suspende a execução, não impedindo, pois, a realização de atos executivos. Pode, todavia, o juiz, em face da verossimilhança das alegações, atribuir-lhe efeito suspensivo, com base no poder geral de cautela que lhe é conferido pelo art. 300. Os requisitos são: (i) a probabilidade do direito do executado (excipiente) de referente à desconstituição do título ou declaração de inexigibilidade da obrigação; e (ii) perigo de dano (evidente em razão do prosseguimento da execução).
Os embargos, embora não exijam a garantia da penhora, pressupõem o atendimento a outros requisitos de ordem formal, aos quais não se pode sujeitar o devedor quando a execução não tiver a menor viabilidade. Por outro lado, não se opondo os embargos imediatamente depois da citação, proceder-se-á à penhora em bens do devedor.
Ora, para evitar tais inconvenientes, deve-se facultar ao executado a possibilidade de levar ao conhecimento do juiz, por meio de instrumento mais simplificado, a existência de vícios ou circunstâncias que, uma vez conhecidos, obstaculizarão inclusive a penhora. Isso porque, antes mesmo de ouvir o exequente, poderá o juiz, diante da relevância das alegações do executado, conceder efeito suspensivo à exceção de pré-executividade. Afinal, a fundamentação, na maioria dos casos, dirá respeito a questões que o juiz poderia conhecer de ofício.
A decisão judicial que rejeita a exceção é considerada decisão interlocutória, sujeita a agravo (art. 1.015, parágrafo único). Por outro lado, a decisão que a acolhe terá natureza de sentença, porquanto implicará extinção do processo de execução, se sujeitando a recurso de apelação.
O acolhimento da exceção implica sucumbência do exequente, gerando a condenação em honorários advocatícios. O STJ desenvolveu teses específicas para a fixação desses honorários. Confira:
- Acolhimento Parcial e Redução do Valor (Tema 961/STJ): O STJ firmou que o acolhimento, ainda que parcial, da exceção de pré-executividade que resulte na redução do montante exequendo, gera o arbitramento de honorários, por analogia ao tratamento dado à impugnação ao cumprimento de sentença.
- Exclusão do Polo Passivo e a Fixação por Equidade (Tema 1.265/STJ): O Tema 1.265 (REsp 2.097.166) estabeleceu o critério para a fixação de honorários quando a exceção resulta apenas na exclusão do excipiente do polo passivo da execução fiscal. Nesse caso, os honorários advocatícios deverão ser fixados por apreciação equitativa, nos moldes do Art. 85, § 8º, do CPC de 2015, porquanto não há como se estimar o proveito econômico obtido com o provimento jurisdicional. O STJ justificou a aplicação da equidade por entender que o benefício obtido (a exclusão do polo passivo) é inestimável e não mensurável.
Por fim, é importante estabelecer a seguinte diferença: se os embargos à execução não tiverem sido apresentados e a matéria arguível pelo executado for cognoscível a qualquer tempo, admite-se a via da exceção de pré-executividade. Por outro lado, matérias suscitadas e já decididas nos embargos à execução, com o respectivo trânsito em julgado, não podem ser objeto da exceção. Isso porque, de acordo com a jurisprudência do STJ, não é absoluta a independência da exceção de pré-executividade e dos embargos à execução. Assim, mesmo nas hipóteses de alteração do entendimento jurisprudencial, a rediscussão da matéria já decidida nos embargos com base em entendimento anterior não poderá voltar à tona através da exceção de pré-executividade.[4]
[1] O STJ (AgRg no AREsp 333.667/RS) e os tribunais locais já admitiam a exceção desde que não houvesse necessidade de dilação probatória. Nesse sentido: “[…] A exceção de pré-executividade não comporta dilação probatória em razão do seu rito simplificado, devendo o excipiente comprovar as suas alegações junto com a inicial” (TJRJ, AI 0002287-43.2014.8.19.0000, 9ª Câmara Cível, Rel. Des. Jose Roberto Portugal Compasso, j. 11.02.2014).
[2] Corresponde ao art. 803, I, do CPC/2015.
[3] STJ, 3ª T., REsp 1.912.277/AC, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18.05.2021.
[4] STJ, 3ª Turma, REsp 798.154/PR, Rel. Min. Massami Uyeda, j. 12.04.2012.
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