O Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação, conhecido pela sigla ITCMD, é um tributo de competência estadual e do Distrito Federal, que incide sobre a transferência não onerosa de bens e direitos. Sua incidência ocorre em duas situações:
- (i) a transmissão de bens em decorrência do falecimento de uma pessoa (causa mortis) ou
- (ii) a cessão de bens de forma gratuita (doação).
Sua natureza jurídica é de imposto real, o que significa que recai sobre o valor dos bens ou direitos transmitidos, e não sobre a capacidade econômica do contribuinte.
O responsável pelo pagamento é a pessoa que está recebendo a herança ou a doação, seja ela um herdeiro, legatário ou donatário. As alíquotas e as regras de isenção podem variar entre os estados, respeitando o limite máximo de 8% estabelecido por resolução do Senado Federal. Em Minas Gerais, por exemplo, a alíquota é de 5% (cinco por cento) sobre o valor de mercado dos bens ou direitos transmitidos a título gratuito. Em São Paulo esse percentual é de 4% (quatro por cento) e, conforme a legislação local, a base de cálculo também corresponde ao valor de mercado dos bens imóveis, móveis e direitos na data do falecimento ou da doação.
Em um primeiro momento temos que ter em mente que a base de cálculo costuma variar de uma legislação para outra. Existe um projeto de reforma tributária (PL 108/2024) que pretende fixar a base de cálculo como sendo o valor de mercado do bem ou do direito transmitido. O posicionamento mais recente do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de adotar como base o valor venal, ou seja, aquele que corresponde ao valor de mercado. Confira:
“(…) A jurisprudência desta Corte Superior firmou o entendimento de que o valor venal a que se refere o art. 38 do CTN, base de cálculo do imposto de transmissão, é o real valor de venda do bem, o qual pode coincidir com o valor de mercado, não se confundindo com o valor venal adotado para fins de IPTU ou ITR, cuja incidência se dá sobre o valor estanque da propriedade” (STJ, AgInt no AREsp: 1176337/SP, Relator: Ministro Gurgel de Faria, Data de Julgamento: 01/06/2020, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe 09/06/2020)[1].
De toda sorte, permite-se que o fisco proceda ao arbitramento da base de cálculo quando o valor declarado pelo contribuinte se mostrar incompatível com os preços usualmente praticados no mercado.
Uma questão processual de grande relevância sobre o ITCMD foi submetida recentemente ao Supremo Tribunal Federal por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 5894. A controvérsia se centrava na obrigatoriedade do prévio pagamento do imposto para que a partilha de bens fosse homologada judicialmente e os documentos de transmissão fossem expedidos.
O governo do Distrito Federal, autor da ação, argumentava que o art. 659, § 2º, do Código de Processo Civil[2], que permite a expedição do formal de partilha sem a comprovação do recolhimento do ITCMD, seria inconstitucional. A alegação era de que a norma violava princípios tributários, como a isonomia e a necessidade de lei complementar para tratar de privilégios relativos ao crédito tributário.
Em julgamento unânime, o STF rejeitou o pedido e considerou válida a norma prevista no CPC. A Corte entendeu que o dispositivo legal questionado não trata de matéria tributária, mas de mero procedimento. A decisão concluiu que a expedição do formal de partilha sem a prévia quitação do imposto não significa que a obrigação tributária desapareceu, mas apenas que o momento da cobrança do tributo pode ser posterior à homologação judicial.
A decisão se alinha ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que definiu, no julgamento do tema repetitivo 1074, que “no arrolamento sumário, a homologação da partilha ou da adjudicação, bem como a expedição do formal de partilha e da carta de adjudicação, não se condicionam ao prévio recolhimento do imposto de transmissão causa mortis, devendo ser comprovado, todavia, o pagamento dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas, a teor dos arts. 659, § 2º, do CPC/2015 e 192 do CTN”.
Vale ressaltar que ambos os precedentes valem para o arrolamento sumário[3], disciplinado pelos arts. 659 e seguintes do CPC, que cabível, qualquer que seja o valor da herança, desde que todos os herdeiros sejam maiores e capazes e estejam de acordo com a partilha amigável. Basta, portanto, que os interessados (meeiros, herdeiros e legatários) elejam essa espécie de procedimento, constituindo procurador, e apresentando para homologação a partilha amigável.
Em resumo, a decisão da ADI 5894 permite que o juiz homologue a partilha de bens e expeça os documentos necessários para a transferência de propriedade mesmo que o ITCMD ainda não tenha sido pago. O fisco, contudo, mantém seu direito de cobrança posterior do imposto. O objetivo principal da decisão foi agilizar os processos de inventário, em conformidade com o princípio constitucional da razoável duração do processo, sem prejudicar a arrecadação tributária, que deverá ocorrer em momento posterior.
É fundamental destacar que essa decisão não desobriga o pagamento do imposto. Como vimos, o ITCMD continua sendo devido. Apenas a sua cobrança não pode ser um impedimento para que a partilha se concretize judicialmente. A quitação do imposto pode ocorrer em momento posterior à homologação da partilha, de acordo com as regras e prazos estabelecidos pela legislação de cada Estado, mas sem que sua ausência impeça a transmissão dos bens.
[1] Como reforço, trazemos mais dois julgados de 2018, ambos do STJ, em que a Corte considerou que no arrolamento sumário não se pode condicionar a entrega dos formais de partilha ou da carta de adjudicação à prévia quitação dos tributos concernentes à transmissão patrimonial dos sucessores. Como conclusão, no arrolamento é possível homologar a partilha mesmo sem a quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e suas rendas (REsp 1.704.359/DF e REsp 1.751.332/DF).
[2] “Art. 659. A partilha amigável, celebrada entre partes capazes, nos termos da lei, será homologada de plano pelo juiz, com observância dos arts. 660 a 663 (…) § 2º Transitada em julgado a sentença de homologação de partilha ou de adjudicação, será lavrado o formal de partilha ou elaborada a carta de adjudicação e, em seguida, serão expedidos os alvarás referentes aos bens e às rendas por ele abrangidos, intimando-se o fisco para lançamento administrativo do imposto de transmissão e de outros tributos porventura incidentes, conforme dispuser a legislação tributária, nos termos do § 2º do art. 662”.
[3] Questiona-se, atualmente, a subsistência do arrolamento sumário no ordenamento jurídico, haja vista que os herdeiros maiores, capazes e concordes poderão procurar a via administrativa e, em caso de incapaz, se preenchidos os requisitos da Resolução 35/2007 do CNJ, alterada em 2024, a via extrajudicial também poderá ser adotada.
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Elpídio Donizetti Sociedade de Advogados
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