A capacidade de ser parte constitui requisito de existência da relação processual. A capacidade processual, a seu turno, é requisito processual de validade que se relaciona com a capacidade de estar em juízo, quer dizer, com a aptidão para praticar atos processuais independentemente de assistência ou representação. A capacidade processual pressupõe a capacidade de ser parte (personalidade judiciária), mas a recíproca não é verdadeira. Nem todos aqueles que detêm personalidade judiciária gozarão de capacidade processual.
O exemplo clássico é o das pessoas absolutamente incapazes (art. 3º do CC),[1] detentoras de capacidade de ser parte, mas que, em juízo (e em todos os atos da vida civil), devem estar representadas por seus pais, tutores ou curadores (art. 71). O incapaz pode figurar como autor ou réu em uma demanda, mas se não tiver representante legal, ou se os interesses deste colidirem com os daquele, o juiz deverá nomear-lhe curador especial (art. 72, I).
Quanto aos representantes do menor, caso estejamos tratando dos pais, é válido lembrar que a representação não exige a presença concomitante de ambos. De acordo com o STJ, a representação processual do menor pode ser exercida em conjunto ou separadamente, por cada um dos genitores, ressalvadas as hipóteses de destituição do poder familiar, ausência ou de potencial conflito de interesses. Com efeito, se um menor sofre dano de natureza extrapatrimonial ou patrimonial e pretende ser indenizado, a representação poderá ser realizada, como regra, pelo pai ou pela mãe, não podendo o juiz, por exemplo, indeferir a petição inicial se ausente um dos genitores no polo ativo da ação (STJ, 4ª Turma, REsp 1.462.840/MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 14/05/2024).
Há, ainda, incapacidade puramente para o processo. É o caso do réu preso, bem como do revel citado por edital ou com hora certa. Conquanto materialmente capazes, entendeu o legislador que, para o processo, a capacidade dessas pessoas necessita ser complementada, em razão da posição de fragilidade em que se encontram. Por isso, exige-se a nomeação de curador especial a elas, sob pena de nulidade do feito (art. 72, II).
As pessoas casadas têm capacidade de ser parte e, em regra, capacidade processual plena. No entanto, em algumas hipóteses, a lei mitiga esta capacidade processual. Assim é que, para ajuizar ações que versem sobre direitos reais imobiliários (ação reivindicatória, de usucapião, divisória, entre outras), o cônjuge necessita do consentimento do outro consorte (art. 73), exceto se casados sob o regime de separação absoluta de bens.
Importante não confundir legitimidade com legitimação. Esta é a capacidade especial para realizar ou sofrer os efeitos de determinado ato ou negócio, como a necessidade de outorga conjugal para a venda de bem imóvel, sob pena de anulação do contrato (arts. 1.647, I, e 1.649, CC), ou a concordância do cônjuge e dos demais herdeiros para a venda de bem por parte de ascendente a descendente (art. 496, CC).
Também para propor ação possessória imobiliária, nas quais haja situação de composse ou ato praticado por ambos os cônjuges, o marido ou a mulher dependem do consentimento do outro consorte (art. 73, § 2º).
Observe que se o cônjuge figurar no polo passivo da demanda real imobiliária (art. 73, § 1º, I e IV) ou possessória imobiliária, o caso será de litisconsórcio passivo necessário. A citação do cônjuge será obrigatória para a validade do processo (plano de validade). O requisito processual de validade, na hipótese de litisconsórcio passivo necessário, é objetivo (citação válida), e não subjetivo.
Em ambas as hipóteses, o cônjuge preterido poderá ingressar no processo e pedir a anulação dos atos até então praticados. Se já houver trânsito em julgado da sentença de mérito, poderá ajuizar ação rescisória, fundada na violação manifesta à norma jurídica (art. 966, V). Se a hipótese era de litisconsórcio passivo necessário, a ausência de citação configura vício transrescisório, que pode ser declarado independentemente de ação rescisória, via impugnação ao cumprimento de sentença, embargos à execução, ou em ação autônoma (querela nullitatis).
Com relação à capacidade processual das pessoas jurídicas, estabelece o art. 75 que tais entes serão “representados” em juízo. O caso, no entanto, não é de representação, mas de “presentação”. Com efeito, os atos dos órgãos e agentes da pessoa jurídica são atos da própria pessoa jurídica. Não há, como na representação, uma pessoa agindo em nome de outra. O órgão é a própria pessoa jurídica, instrumento que a faz presente. É incorreta, portanto, a afirmação de que as pessoas jurídicas são processualmente incapazes. A respeito, vale citar a lição de Pontes de Miranda:
“[…], na comparência da parte por um órgão, não se trata de representação, mas de presentação. O órgão presenta a pessoa jurídica: os atos processuais do órgão são atos dela, e não de representante. […]. As pessoas jurídicas precisam de órgãos, tanto quanto as pessoas físicas precisam ter boca, ou, se não podem falar, mãos, ou outro órgão pelo qual exprimam o pensamento ou o sentimento. […]. Os diretores das pessoas jurídicas que assinam a declaração unilateral de vontade, ou a declaração bilateral ou multilateral de vontade, não estão a praticar ato seu, pelo qual representem a pessoa jurídica. Estão a presentá-las, a fazê-las presentes”.[2]
Não obstante a precisa lição ponteana, o mais comum é utilizarmos representação quando se trata de presentação. O gerente presenta a sociedade, mas, de regra, dizemos representa. Enfim, representação é uma palavra equívoca. Coisas da língua. Não vamos sofrer por isso.
Constatado defeito no que se refere à capacidade processual ou irregularidade de representação, o órgão jurisdicional deve suspender o processo, concedendo prazo razoável para que seja reparado o vício. Permanecendo o defeito, se a providência couber ao autor, o juiz decretará extinção do processo (art. 76, § 1º, I); se ao réu, reputá-lo-á revel (art. 76, § 1º, II); se ao terceiro, será este excluído do processo ou considerado revel, dependendo do polo no qual se encontre (art. 76, § 1º, III).
Ressalte-se que o Código trouxe expressamente as consequências da ausência de regularização da incapacidade ou da representação na hipótese de o processo já estar na fase recursal. O Código de 1973, mais precisamente em seu art. 13, determinava que o juiz, ao verificar a incapacidade processual ou a irregularidade da representação das partes, suspendia o processo e designava prazo razoável para ser sanado o defeito. Como se pode perceber, não há autorização expressa para que a mesma providência fosse tomada pelo órgão dotado de competência recursal. Tal providência, em nível recursal, só era possível em razão do disposto no art. 515, § 4º, do Código de 1973, que possibilitava que o tribunal determinasse a correção, mediante prévia intimação das partes, de eventuais nulidades sanáveis.
De acordo com o CPC, caso o processo esteja em grau de recurso, permanecendo a incapacidade ou a irregularidade da representação, se a providência couber ao recorrente, o tribunal não conhecerá do apelo (art. 76, § 2º, I); se ao recorrido, determinará o desentranhamento das contrarrazões (art. 76, § 2º, II).
Todavia, se nem as partes nem o juiz se atentarem para o vício de incapacidade (lembre-se que a ausência de pressuposto ou requisito processual é cognoscível de ofício, nos termos do art. 485, § 3º), e a sentença transitar em julgado, admite-se a propositura de ação rescisória para desconstituição da decisão definitiva de mérito, por violação manifesta à norma jurídica (art. 966, V).
A capacidade postulatória, por sua vez, é a aptidão para intervir no processo, praticando atos postulatórios, seja na condição de autor ou réu.
Como vimos, a capacidade processual permite que a parte figure sozinha em juízo, sem necessidade de assistência ou representação. No entanto, para a prática de alguns atos processuais (os postulatórios), a lei exige aptidão técnica especial do sujeito, sem a qual o ato é inválido. Essa aptidão técnica é a capacidade postulatória.
Deve-se frisar que apenas para a prática de atos postulatórios (de pedir ou responder) exige-se capacidade postulatória. Há, portanto, atos processuais que podem ser praticados pela própria parte, como o de indicar bens à penhora e testemunhar.
Os advogados regularmente inscritos na OAB (e aqui nos referimos aos advogados privados e aos vinculados a entidades públicas, como os integrantes da Advocacia-Geral da União, das Defensorias Públicas e das Procuradorias Estaduais e Municipais) e os integrantes do Ministério Público são os que gozam de capacidade postulatória.
Em alguns casos, no entanto, a lei confere capacidade postulatória a pessoas que não são advogadas e nem integram o Ministério Público. É o caso do art. 27 c/c o art. 19 da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que permite que a mulher vítima de violência doméstica formule diretamente medidas protetivas de urgência contra o ofensor, e do art. 9º da Lei nº 9.099/1995, que dispensa a representação por advogado nas causas de até 20 salários mínimos perante os Juizados Especiais.[3] A constitucionalidade deste último dispositivo, aliás, já foi reconhecida pelo STF quando do julgamento da ADI 1.539, proposta pelo Conselho Federal da OAB:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Acesso à justiça. Juizado especial. Presença do advogado. Imprescindibilidade relativa. Precedentes. Lei 9.099/95. Observância dos preceitos constitucionais. Razoabilidade da norma. Ausência de advogado. Faculdade da parte. Causa de pequeno valor. Dispensa do advogado. Possibilidade.
1. Juizado Especial. Lei 9.099/95, artigo 9º. Faculdade conferida à parte para demandar ou defender-se pessoalmente em juízo, sem assistência de advogado. Ofensa à Constituição Federal. Inexistência. Não é absoluta a assistência do profissional da advocacia em juízo, podendo a lei prever situações em que é prescindível a indicação de advogado, dados os princípios da oralidade e da informalidade adotados pela norma para tornar mais célere e menos oneroso o acesso à justiça. Precedentes.
2. Lei 9.099/95. Fixação da competência dos juízos especiais civis tendo como parâmetro o valor dado à causa. Razoabilidade da lei, que possibilita o acesso do cidadão ao Judiciário de forma simples, rápida e efetiva, sem maiores despesas e entraves burocráticos. Ação julgada improcedente” (ADI 1.539, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 05.12.2003, p. 17).
O Código de 1973 trazia outra exceção à necessidade da presença de advogado para se postular em juízo. O art. 36 do referido diploma permitia que a parte postulasse em causa própria no caso de falta de advogado no lugar ou recusa ou impedimento dos que houvesse. Não há dispositivo correspondente no CPC atual. A legislação que entrou em vigor em março de 2016 ressalta a necessidade de representação por meio de advogado (art. 103) e possibilita a postulação em causa própria apenas na hipótese de habilitação legal, ou seja, quando o advogado funcionar em causa própria.
A capacidade para postular em nome de outrem é comprovada pelo advogado mediante a apresentação de procuração, instrumento que comprova a existência de mandato, contrato pelo qual o agente capaz outorga ao advogado poderes para representá-lo em juízo, praticando os atos postulatórios. Sem instrumento de mandato (procuração), o advogado não será admitido em juízo, podendo apenas praticar, em nome da parte, atos urgentes, como a propositura de ação para evitar a consumação da prescrição ou decadência (art. 104). Nesses casos, o advogado estará obrigado a apresentar o instrumento de mandato no prazo de 15 dias, prorrogável por igual período mediante despacho do juiz (art. 104, § 1º).
O CPC de 1973 (art. 37, parágrafo único) falava em “inexistência” do ato não ratificado praticado por advogado sem procuração, mesma expressão adotada na Súmula nº 115 do STJ.[4] A hipótese, no entanto, não é de inexistência, tampouco de invalidade, mas de ineficácia do ato em relação ao supostamente representado. O ato foi praticado por quem detinha capacidade postulatória, logo existe e é válido. No entanto, só produzirá efeito se posteriormente ratificado pelo representado. A posterior ratificação, portanto, é condição de eficácia, e não pressuposto de existência do ato, até porque não há como se cogitar em ratificação de algo que sequer existe. O Código Civil corrigiu o equívoco terminológico ao estabelecer que os atos praticados por quem não tenha mandato, ou o tenha sem poderes suficientes, “são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os ratificar” (art. 662). O CPC seguiu a mesma linha e abandonou a ideia de “invalidade” ao prever que “o ato não ratificado será considerado ineficaz relativamente àquele em cujo nome foi praticado, respondendo o advogado pelas despesas e por perdas e danos” (art. 104, § 2º).
Outra situação é o ato praticado por não advogado. Aqui, o caso é de invalidade do ato, por ausência de requisito de validade, o que, aliás, encontra expressa previsão legal (art. 4º do Estatuto da OAB).
A ausência de capacidade postulatória é passível de saneamento, no prazo a ser fixado pelo juiz (art. 76). Tal qual a incapacidade processual, se não sanado o vício relativo à incapacidade postulatória, o juiz declarará extinto o processo, se a providência couber ao autor; se ao réu, este será considerado revel; se ao terceiro, será este excluído do processo ou considerado revel.
A legitimidade para a causa (legitimatio ad causam) não se confunde com a legitimidade para o processo (legitimatio ad processum = capacidade processual = capacidade para estar em juízo), tampouco com a capacidade de ser parte.
Esses três conceitos (capacidade de ser parte, legitimidade processual e legitimidade para a causa) devem estar bem definidos, para evitar falsos juízos.
A capacidade de ser parte relaciona-se com a aptidão para figurar no processo e ser beneficiado ou ter que suportar os ônus decorrentes da decisão judicial (personalidade judiciária). Todas as pessoas naturais e jurídicas detêm capacidade de ser parte. Além dessas pessoas, reconhece-se a capacidade de ser parte a entes despersonalizados, como o espólio, a massa falida e a herança jacente.
A legitimidade ad causam, como vimos, é um dos requisitos para a concretização da tutela de mérito, ao passo que a legitimidade ad processum é requisito (ou pressuposto) processual de validade que se relaciona com a capacidade para estar em juízo, quer dizer, de praticar atos processuais independentemente de assistência ou representação.
Assim, o menor de 16 anos, por exemplo, goza de capacidade de ser parte e de legitimidade ad causam para propor ação de alimentos contra seu pai, mas não tem legitimidade ad processum, devendo ser representado (art. 71).
“Esse texto foi extraído do Curso de Direito Processual Civil, de autoria de Elpídio Donizetti e publicado pela Editora GEN”.
.
.
.
Elpídio Donizetti Sociedade de Advogados
Facebook: https://www.facebook.com/elpidiodonizetti
Instagram: https://www.instagram.com/elpidiodonizetti
LinkedIn:https://www.linkedin.com/in/elp%C3%ADdio-donizetti-advogados-4a124a35/
[1] Atente-se para a alteração no rol dos absoluta e relativamente incapazes conferida pela Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Com as mudanças implementadas pelo EPD, somente são absolutamente incapazes os menores de dezesseis anos. Aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não têm o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil, considerados absolutamente incapazes anteriormente (art. 3º, inc. III, do CC/2002 – redação original), não estão mais listados entre os incapazes de fato, seja absoluta, seja relativamente. Os que, por causa permanente ou transitória, não podem exprimir sua vontade, deixaram de ser considerados absolutamente incapazes (art. 3º, inc. III, do CC/2002 – redação original) e passaram a ser considerados relativamente incapazes (art. 4º, inc. III, do CC/2002 – nova redação). Por fim, os que, em razão de deficiência mental têm o discernimento reduzido, bem como os excepcionais, sem o desenvolvimento mental completo, antes considerados relativamente incapazes (art. 4º, incs. II e III, do CC/2002 – redação original), não são mais considerados incapazes de fato.
[2] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. t. I, p. 219-220.
[3] Na fase recursal, entretanto, a atuação do advogado é indispensável (art. 41, § 2º, da Lei nº 9.099/1995).
[4] Súmula nº 115 do STJ: “Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos”. Ressalte-se que a súmula indicada (Súmula nº 115 do STJ) deve ser reinterpretada de acordo com o § 3º do art. 1.029 do CPC/2015: na instância especial só é inexistente o recurso interposto por advogado sem procuração nos autos quando este, intimado para sanar a irregularidade, não juntar o instrumento no prazo assinalado pelo tribunal.