De modo geral, os recursos estão sujeitos a preparo, ou seja, ao pagamento das despesas processuais correspondentes ao recurso interposto, que compreendem as custas e o porte de remessa e de retorno (art. 1.007).
Para certos recursos, o preparo é dispensado, por exemplo, nos embargos de declaração (art. 1.023, parte final). Também são dispensados de preparo os recursos interpostos pelo Ministério Público, pela União, pelo Distrito Federal, pelos Estados, pelos Municípios, e respectivas autarquias, e pelos que gozam de isenção legal (art. 1.007, § 1º), como os beneficiários da gratuidade judiciária e o curador especial de réu revel a que se refere o art. 72, II.[1]
Especificamente em relação ao porte de remessa e de retorno, há dispensa de seu recolhimento nos processos em autos eletrônicos (art. 1.007, § 3º). Essa disposição somente tem aplicabilidade quando todo o processo tramitar em meio digital. Se o processo for físico, mas o recurso puder ser transmitido pela via eletrônica, deve-se observar a legislação local referente ao pagamento das despesas processuais ou o regimento interno do tribunal para o qual será remetido o recurso.
Quando exigido pela legislação pertinente, o preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, deve ser comprovado no ato de interposição do recurso. Trata-se da regra do preparo imediato, que encontra respaldo na jurisprudência do STJ.[2] Caso o recorrente não o faça, será intimado para recolher o dobro do valor (art. 1.007, § 4º), sob pena de deserção. Nessa hipótese, se depois de intimado, o recorrente não tiver providenciado o pagamento integral do dobro do valor do preparo, não será possível posterior complementação (art. 1.007, § 5º).[3]
A pena de deserção só pode ser aplicada após ser dado conhecimento à parte de que o preparo foi recolhido a menor, em desacordo com a tabela de custas do Estado. Ou seja, “em consonância com o princípio da cooperação processual, é indispensável ao reconhecimento da deserção que o juiz intime a parte para regularizar o preparo – especificando qual o equívoco deverá ser sanado” (STJ, REsp 1.818.661/PE, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, j. 23.05.2023).
Caso o recurso seja interposto sem pagamento das custas, pouco importa que ocorra o preparo posteriormente, ainda que antes da fluência do prazo recursal. Assim, se a parte protocoliza a petição de recurso acompanhada de razões no quinto dia do prazo para recorrer, não poderá efetuar o preparo até o décimo quinto, porquanto já se terá operado a preclusão consumativa. Nesse caso, de nada adiantará o recolhimento do valor simples. Igualmente não poderá o juiz julgar deserto (falta de preparo) o recurso não sem antes intimar a parte, na pessoa do seu advogado, para fazer o preparo em dobro.
A rigidez do pressuposto recursal referente ao preparo prévio ou concomitante pode ser mitigada em três hipóteses: quando o preparo for insuficiente, quando houver justo impedimento ou, na hipótese de ausência, se houver posterior recolhimento em dobro. A insuficiência no valor do preparo implicará deserção, ou seja, não conhecimento do recurso, somente quando o recorrente, intimado na pessoa de seu advogado, não vier a supri-lo no prazo de 5 dias. Da mesma forma, a absoluta falta de preparo só implicará deserção, se a parte, devidamente intimada, não o fizer em dobro (art. 1.007, § 4º).
Perceba, portanto, a diferença: (i) se não houver preparo, o recurso só será inadmitido se, depois de intimado, o recorrente não fizer o recolhimento em dobro; (ii) se o preparo for insuficiente, o recorrente será intimado na pessoa de seu advogado para simples complementação. Exemplificativamente, se o preparo fica em R$ 5.000,00 e a parte deposita apenas R$ 1,00, não poderá o juiz julgar deserto o recurso não sem antes intimar a parte para depositar os R$ 4.999,00 faltantes. Na mesma hipótese, se a parte nada depositou, terá que pagar R$ 10.000,00, sob pena de o seu recurso não ser conhecido.
Também não será aplicada a pena de deserção ao recorrente que, comprovando justo impedimento, deixar de realizar o preparo (art. 1.007, § 6º). O CPC/1973 apresentava essa possibilidade tão somente para a apelação (art. 519 do CPC/1973), mas já se entendia possível a aplicação desse dispositivo aos demais recursos sujeitos a preparo.
O justo impedimento deve ser comprovado no ato da interposição do recurso. Caso o juiz acolha o motivo, relevará a pena de deserção, por decisão irrecorrível, fixando o prazo de 5 dias para o recorrente efetuar o preparo. Exemplo de justo impedimento se verifica no caso de encerramento do expediente bancário antes do encerramento do expediente forense, desde que, comprovadamente, (i) o recurso seja protocolizado durante o expediente forense, mas depois de cessado o expediente bancário; (ii) o preparo seja efetuado no primeiro dia útil subsequente de atividade bancária (STJ, REsp 1.122.064/DF, Corte Especial, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, julgado em 01.09.2010).[4]
Vale lembrar, especialmente aos leitores advogados, que o STJ não considera como justo impedimento a eventual falha nos serviços prestados por empresa responsável pelo acompanhamento de publicações e intimações.[5]
E, se houver equívoco no preenchimento da guia relativa ao preparo, poderá ser aplicada pena de deserção? De acordo com o § 7º do art. 1.007, é possível a correção da guia de recolhimento, no prazo de cinco dias, antes da aplicação da pena de deserção. Trata-se de inovação na legislação processual que vai ao encontro dos princípios da instrumentalidade das formas e do aproveitamento dos atos processuais. Além disso, o entendimento consagrado no CPC vigente afasta a jurisprudência defensiva do STJ.[6]
Outro tema importante se refere à concessão de gratuidade no âmbito recursal. O art. 99, § 7º, CPC/2015, prevê que: “requerida a concessão de gratuidade da justiça em recurso, o recorrente estará dispensado de comprovar o recolhimento do preparo, incumbindo ao relator, neste caso, apreciar o requerimento e, se indeferi-lo, fixar prazo para realização do recolhimento”. Ou seja, se houver requerimento de justiça gratuita na fase recursal não haverá necessidade de recolher o preparo. Contudo, se o relator indeferir o pedido de gratuidade, o recorrente deverá fazer o recolhimento no prazo assinalado, sob pena de deserção.
E se a parte desejar recorrer da decisão que indeferiu a gratuidade, ainda assim terá que recolher o preparo? Não. Contra a decisão que indeferir a gratuidade caberá, nesse caso, agravo de instrumento. Enquanto a questão não for analisada pelo relator, o recorrente estará dispensado do recolhimento de custas, nestas incluindo o preparo recursal (art. 101, § 1º, CPC/2015). Se for confirmada a denegação da gratuidade, o relator ou o órgão colegiado determinará ao recorrente o recolhimento das custas processuais, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de não conhecimento do recurso (art. 101, § 2º).
Essa última previsão consolida o entendimento do STJ (Informativo 574):
“Não se aplica a pena de deserção a recurso interposto contra o indeferimento do pedido de justiça gratuita. Nessas circunstâncias, cabe ao magistrado, mesmo constatando a inocorrência de recolhimento do preparo, analisar, inicialmente, o mérito do recurso no tocante à possibilidade de concessão do benefício da assistência judiciária gratuita. Se entender que é caso de deferimento, prosseguirá no exame das demais questões trazidas ou determinará o retorno do processo à origem para que se prossiga no julgamento do recurso declarado deserto. Se confirmar o indeferimento da gratuidade da justiça, deve abrir prazo para o recorrente recolher o preparo recursal e dar sequência ao trâmite processual”.
Por fim, vejamos alguns casos práticos decididos recentemente pela jurisprudência do STJ e que se referem ao recolhimento do preparo:
- Se a parte desistir do recurso em que houve pedido de gratuidade, poderá haver deliberação para o recolhimento, sob pena de inscrição em Dívida Ativa? Imagine que Fulano ingressou com ação contra Beltrano. O juiz julgou o pedido procedente. Beltrano interpôs apelação e requereu os benefícios da gratuidade. Antes que o recurso fosse julgado, o recorrente peticionou ao Tribunal de Justiça desistindo da apelação. O relator acolheu a desistência, mas rejeitou o pedido de gratuidade judiciária. Nesse caso, ainda assim não poderá haver deliberação para o recolhimento do preparo. Conforme entendimento do STJ, “não é possível exigir o recolhimento do preparo recursal após a desistência de recurso que verse sobre a concessão da gratuidade da justiça, sob pena de inscrição em dívida ativa” (ST, 3ª Turma, REsp 2.119.389-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/4/2024).
- A compensação bancária em momento posterior ao último dia do prazo para o recolhimento acarreta alguma consequência para a aferição da tempestividade? Imagine que o pagamento da guia deve ser feito até, por exemplo, 20 de março, último dia do prazo recursal. O Recorrente realiza esse pagamento em um correspondente bancário no dia correto, mas a compensação só ocorre três dias úteis depois. Haverá deserção nesse caso? Não. “Considera-se recolhido devidamente o preparo no dia em que realizado o pagamento perante o correspondente bancário, ainda que outro tenha sido o dia da compensação bancária” (STJ, 4ª Turma. AgInt nos EDcl no AREsp 2.283.710-AP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 13/5/2024). Vale registrar que não se deve confundir a compensação posterior com o simples agendamento – casos em que o interessado agenda, mas o dinheiro não sai efetivamente da sua conta. Nesse caso, pagamento não há, e o comprovante de agendamento não é considerado meio apto a comprovar o efetivo recolhimento do preparo (STJ, 4ª Turma. AgInt no AREsp 2.496.667/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 10/6/2024).
“Esse texto foi extraído do Curso de Direito Processual Civil, de autoria de Elpídio Donizetti e publicado pela Editora GEN”.
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[1] O advogado dativo e a Defensoria Pública, no exercício da curadoria especial prevista no inciso II do art. 72 do CPC, estão dispensados do recolhimento de preparo recursal, independentemente do deferimento de gratuidade de justiça em favor do curatelado especial, sob pena de limitação, de um ponto de vista prático, da defesa dos interesses do curatelado ao primeiro grau de jurisdição, porquanto não se vislumbra que o curador especial se disporia em custear esses encargos por sua própria conta e risco. As despesas relativas aos atos processuais praticados pelo curador especial – dentre elas o preparo recursal – serão custeadas pelo vencido ao final do processo, consoante disposto no caput do art. 91 do Código de Processo Civil de 2015, observado o regramento relativo à gratuidade de justiça (Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial 978.895/SP).
[2] Nesse sentido: STJ, AgRg nos EREsp 1.377.092/RS, Rel. Min. Marco Buzzi, j. 25.09.2013. Posição semelhante, mais recente: “O recorrente deve comprovar o recolhimento do preparo e do porte de remessa e retorno de acordo com os volumes existentes nos autos na interposição do recurso, independentemente da abertura de novos volumes após a data de protocolização do recurso”. (REsp 1.576.852/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, j. 07.03.2023).
[3] Observe que essa comprovação imediata se difere no recurso inominado no âmbito dos Juizados Especiais. No procedimento dito sumaríssimo, o § 1º do art. 42 da Lei nº 9.099/95 permite que o preparo seja feito, independentemente de intimação, nas 48 horas seguintes à interposição, sob pena de deserção.
[4] Entendimento consagrado na Súmula nº 484 do STJ: “Admite-se que o preparo seja efetuado no primeiro dia útil subsequente, quando a interposição do recurso ocorrer após o encerramento do expediente bancário”.
[5] Nesse sentido: STJ, AgRg no AREsp 340.064/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 13.08.2013.
[6] “Se não houve o preenchimento correto da guia, máxime sobre o número que identifica o processo na origem, não há falar em pagamento parcial do preparo, mas em ausência deste, afastando de vez a incidência do art. 511, § 2º, do CPC” (AgRg nos EREsp 1.129.680/RJ, Corte Especial, Rel. Min. Castro Meira, DJe 10.10.2012).